A História Inacabada de Nós Dois


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Sempre que se encontrava irritada com algo agia assim. Pelo quarto andava de um lado para o outro, reclamando, fazendo indagações ou até mesmo repetindo frases desconexas de um aparente diálogo antigo. Eu a amava. Não em sua concepção romântica, ideológica, utópica e idealizada do amor, mas como algo que transcende a própria razão, sem excedê-la nem escravizá-la. Aqueles momentos assinavam a sua peculiaridade. Ela amarrava o cabelo, mantinha o dedo indicador erguido, como se dando ordens, seus lábios se contraíam, e somente quando em seu monólogo existia um silencio que durasse mais que alguns segundos eu deveria falar algo. Mas a não era uma situação a qual eu deveria pensar em soluções para os problemas os quais ela relatava com tanto furor, mas se tornava um exercício de escuta, de compreensão, de perceber o sentimento, de experimentá-lo. Então eu fazia piadas sobre a situação. Não desistia até que visse aquele sorriso que aos poucos se formavam dos lábios contraídos com tanta força.

Sempre fui um bom ouvinte, eu creio. As pessoas se comunicam através da entonação, das palavras, dos gestos e das expressões. Algo que considero essencial para de fato conseguir compreender o outro é me colocar naquela situação. O que para mim é algo banal, para o outro pode ser algo que ocasiona um enorme sofrimento. Mais empáticos e menos egocêntricos fariam do mundo um lugar melhor.
Aquele dia em especial ela estava extremamente irritada. Isso só acontecia quando uma série de coisas se acumulavam, ou algo que a muito tempo preso em sua garganta queria saltar e se libertar. No seu mundo de desabafos compreendi sua explosão.

- Seu cabelo está horrível; sua roupa está feia; você está mais gordo; sua pele está bizarra; seu dente está manchado; você está com olheiras; essa sua vida é fácil demais; o brinco não combina; esse óculos não tem nada a ver; se fosse eu no seu lugar; que idiota; tem uma espinha gigante aqui; isso é fácil, o que eu faço é que é difícil; o problema não é meu; faça o que eu falo, mas não faça o que eu faço; eu não gosto disso...

Ela me olhou como quem quisesse que prestasse bastante atenção no que iria dizer. Tirei o sorriso, agora a coisa era séria.

- Vi, me fala, porque essas pessoas existem? Que droga, que saco! Sempre tem alguém que está sempre reclamando de alguma coisa. Quando tem, já não quer mais; acham defeitos em qualquer coisa.; comentam coisas desagradáveis para você, como por exemplo sua roupa, sem ninguém pedir a opinião; sem contar os que sempre que falam de alguém, tem que comentar algum defeito dessa pessoa.

Não sabia o que falar. Alguém a havia machucado feio. Por mais que eu quisesse, com uma ponta de curiosidade saber o que houve, precisava entender o sentimento dela. Aquelas frases me faziam pensar, e com certeza me lembravam algumas pessoas. Me parecia que todos esses comentários os quais ela criticava refletiam a insegurança das próprias pessoas que julgavam em sua falsa prepotência o desejo dos outros. No intimo desejo, muitas vezes inconsciente de se sentir melhor que outro, o critica. E como é extremamente irritante pessoas que se encaixam nessa categoria.

- “Não to falando mal, estou só comentando”, ou a “Era só para você saber”, são absurdamente irritantes!!! As vezes, acontece, realmente sem intenção. Não há problema. Mas há pessoas que SEMPRE fazem comentários maldosos e acham, muitas vezes engraçado ou “inocente”.
Ela havia parado de falar. A minha deixa.

- Pois bem, amor, o que se passou?

Ela me olhou com aqueles olhos grandes e lindos:

- Falaram que o meu cabelo estava feio.

Tão bela, tão sábia, mas ainda assim, mulher. Sobre os efeitos desses hormônios estranhos. Não tinha muita culpa. Falando tanto de coisas do comportamento humano, se deixou levar por um comentário que a comparava com um padrão estético ridículo, onde as pessoas deixam de ser alguém para se tornarem algo.

Ainda assim, seu sofrimento era grande, e palavras sinceras de amor a acalmaram. Não tinha o direito de cobrar dela uma consciência em todos os conceitos ideológicos a todo momento.Amava o seu jeito de ser imperfeita, e como eu gostava de me sentir útil. Houveram sim muitos momentos de briga e tensão, houve muito amor. O fim da história nem eu sei, mas sou eu quem escrevo a cada dia.


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Eu

  • Um sujeito simples. Composto por vários apostos. Único.
  • Qualquer que seja a sua visão sobre mim não reflete na verdade quem eu sou. Será apenas mais um ponto de vista.

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